Categorias
Minicontos

Dia qualquer

Sábado, sol. Rodrigo lava a louça do almoço. Cantarola. Vê, pela janela da cozinha, a pequena Júlia cruzar a piscina. Caminhando. Sobre a água. 

Piscina que ela não deveria ter chegado perto sozinha. Rodrigo instalou cerca, portão, cadeado. Mas tem a vida dobrada de pai sem a mãe, o cansaço que amortece, o cadeado que será esquecido. Nas noites, o pesadelo se repete: manhã de sol, portão entreaberto, Júlia pousada no fundo da piscina, os olhos baços, as mãos de boneca. 

Chega o dia, e ela caminha. A pequena Júlia, os pés descalços, a água que brilha e não engole. Caminha, não duvida, passo por passo, chega à outra borda. Rodrigo com a esponja espremida na mão, a água escorrendo na pia. A travessia embaralhando a vista, rodopiando no estômago. O tremor incontrolável das pernas.

Júlia agora agachada no lado de lá da piscina, brinca com o patinho de borracha. Alheia e luz. Como se fosse um dia qualquer.