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Falar com rosas

Fim de tarde. Sozinho no jardim, espichado na espreguiçadeira, Joel fuma, olhos fechados. Apara a brisa no peito desnudo. Pensa que felicidade, se existir, é assim: farfalhar de folhas, chilreio, tempo que para.

Mas Joel tem um vizinho musical.

A voz de Cartola escorre por cima do muro: 

 

“Bate outra vez

Com esperanças o meu coração

Pois já vai terminando o verão

Enfim”

 

Joel abre os olhos. Pisca.

 

“Volto ao jardim

Com a certeza que devo chorar

Pois bem sei que não queres voltar

Para mim”

 

Apaga o cigarro. Levanta. Caminha. 

 

“Queixo-me às rosas

Que bobagem as rosas não falam

Simplesmente as rosas exalam

O perfume que roubam de ti, ai…”

 

Joel olhando o canteiro. Mato que só, roseiras sem rosa, espinhos. 

 

“Devias vir

Para ver os meus olhos tristonhos

E, quem sabe, sonhavas meus sonhos

Por fim”

 

Canteiro abandonado, Joel inerte. Rosas havia, que Vera plantou, regou. Cheirou. Partiu. Seus outros sonhos a sonhar.

Brisa que sopra, quietude, roseiras. Joel ao fundo, coração que bate. Outra vez. Em descompasso. Sem fim.