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Labirinto

É o sebo mais antigo da cidade, muita coisa rara, garantiu o Lucas. Tenta lá.

Caminho pela Dom Pedro II, localizo a entrada. No umbral, a placa esmaecida: Caleidoscópio. Escada estreita, íngreme, mergulhando para o subsolo. Cheiro forte de mofo, rangidos a cada passo.

A sala pouco iluminada é ampla, pé-direito baixo, as torres de livros brotam desordenadas do parquê, tocam o teto. Há passagens para salas anexas. Espirro. Meus olhos comicham. Ninguém à vista. Esgueiro-me entre as prateleiras.

Pois não?

A voz é grave, de homem velho. Não o vejo.

Procuro Poemas de outono, de Afrânio Sampaio, digo.

Silêncio.

O livreiro surge de trás de uma das prateleiras. Baixo, grisalho, amarrotado. Coça a barba, pensativo. Murmura que talvez tenha, acha que lembra desse nome. Livros demais, memória de menos, diz.

Acompanho-o a uma das salas anexas. Ao fundo, uma grande massa de livros derramados. Espirro. Minha garganta formiga. Meus olhos ardem. Ele revira a pilha, inspeciona capas, os óculos se equilibrando na ponta do nariz. Talvez o vô Afrânio nunca tenha escrito o tal livro. Mentia muito, dizem. Inventava a própria vida. Versos declamados nas festas de família. Ecoam na minha cabeça, irrecuperáveis. O velho livreiro persiste. Meus olhos não param de lacrimejar. Minha garganta arde.