A semana começa com Vítor ligando cedo pela manhã em plena segunda-feira. Ele imerso em mais uma crise existencial-emocional-confusional, questionando a relação, se não seria melhor darem um tempo etc. etc. etc. Conversam por mais de hora. Simone ouve, pouco fala. Sugere uma pausa de uns vinte anos, para poderem avaliar com calma a situação. Ele se irrita, desliga.
Na terça Simone vai ao cinema sozinha. Come sozinha o maior balde de pipoca que o quiosque oferece. Ri sozinha na sala escura. Retorna sozinha à pensão. Dorme sozinha. Feito pedra.
Na quarta Vítor volta a ligar, como sempre faz. Simone ouve. Profere uma palavra oca aqui, outra ali. Não, não quer encontrar para conversarem. Desliga. Muito trabalho no restaurante, sem tempo. O dia zune. Tarde da noite, ela chega exausta na pensão. Dorme de uniforme.
Na saída do expediente da quinta, lá está Vítor de sentinela na mureta. A cabeleira preta, encaracolada, os ombros ossudos encolhidos. Olhar de cachorro querendo passear. Simone sobe na garupa da moto, rodam pela avenida Brasil. Param na Trípoli: dois kebabs da casa, dois guaranás. Silêncio. A noite no apartamento dele. Sexo.
Na sexta Simone não atende o celular. Dia dos Namorados, loucura total no restaurante. Por sorte tem uma pá de gente sozinha nesse mundo, seria ainda pior.
No sábado também não se encontram. Garçonete Simone de folga, enfermeiro Vítor de plantão. Ela perambula pela rua: praça, sorvete, shopping, livro na bolsa. Gasta o dia. Deitada na cama da pensão, não consegue dormir. Espinhos sob as pálpebras.
No domingo almoçam no apartamento dele. Reclinado sobre o fogão, Vítor prepara o molho. Simone atrás, na banqueta, vigia. Tão comprido, desengonçado, a linda cabeleira preta. A calça jeans surrada, os fundilhos caídos. A camiseta listrada que ela deu. Concentrado, move lentamente a espátula. Um cheiro doce, de tomate maduro, invade a cozinha.