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Sísifo

Manhã ensolarada no parque. Jovens estirados na grama, cachorros inquietos, atletas circulares. Caminho em direção aos aparelhos de ginástica.

Posiciono-me. Espio o céu. Respiro fundo, seguro firme a barra, ergo o corpo. Inspiro, expiro. Vinte. Solto. Admiro meus braços dilatados. Mais vinte. Fartos gomos que se remexem sob minha pele fresca. Mais vinte.

A exaustão chega, volto pra casa.

Entardeço à tela do computador. Meus braços agora murchos, esquálidos. Cruzo-os sobre o peito, apalpo minhas carnes moles, os ossos pontudos. Adormeço no sofá. Sonho penhascos.

Manhã nublada no parque. Volto aos aparelhos. Posiciono-me. Respiro fundo. Vinte. Solto. Mais vinte. Afago meus braços intumescidos. Mais vinte. As grossas veias saltando sob a pele tensa. Mais vinte.

Chega a náusea. Aperto os olhos. Vultos. Arrasto-me para casa.

Anoiteço sobre o teclado. Esfrego meus olhos de areia. Vejo braços finos, desidratados. Meus ossos quebradiços. Adormeço na cadeira. Sonho deslizamentos.

Amanhece. Sol intenso. No parque, casais sentados nos bancos, pipoca, tartarugas inertes sobre pedras, crianças pulando na areia. Na cama, eu. Meus longos braços de chumbo. Posiciono-me. Respiro fundo. Zero. Solto-me. Aguardo a chegada da pedra.