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Sussurro

Nossa, quanto tempo! Ainda consigo sentir tua voz roçar no meu ouvido adolescente, nossos segredos escolares. Nós, amigas em tudo, simbiose. Cochichávamos mesmo sem ninguém por perto, porque era tão melhor assim, aos sussurros, lembra? Quantos risos, tolos enigmas. Tanto sol.

Então nossas bocas foram se afastando, um milímetro por vez. Nascemos para os olhares de fora, nossas frases agora soltas, ouvidos alheios. Percebi pela primeira vez teus cabelos encaracolados, os meus lisos. Teus olhos azuis, os meus castanhos. Os outros se encaixando nas nossas frestas. Recordo meu pasmo ao teu primeiro namorado com esse nome. Ele saiu da tua boca assim, meu namorado, singelo, cabal. Só então eu quis. Transei primeiro que você, lembra? 

Nossa, quanto tempo! Teu filho é lindo. Mande mais fotos quando puder. Vem sim, fica aqui comigo, o tempo que quiser. Te ajudo a criar o Antônio, tudo que você precisar. Qualquer coisa. O apartamento é enorme, sou só eu. Espaço de sobra pra ele, pra você. Pros nossos sussurros.