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Tesourinha [⌘]

Minha ideia de fuga era singela: entrar na tesourinha, permanecer, para sempre. Sair da pista à direita, passar por baixo do viaduto, subir à direita, voltar à pista, descer à direita novamente, passar por baixo do viaduto, subir à direita, voltar à pista, descer à direita. Assim, uróboro. Eterno.

As dificuldades logo se apresentaram. Minha gasolina acabaria em algum momento. Mesmo que eu tivesse enchido o porta-malas e os bancos vazios com galões, só teria adiado o fim. E eu teria que parar o carro no meio da tesourinha pra usar os galões. Não se interrompe uma fuga: ouça Bach.

Outra questão crítica era meu sistema gastroenergético. Para continuar dirigindo, eu teria que consumir água, alimentos. Problemas: 1) uma tesourinha é uma sequência vertiginosa de curvas em espelho, beber e comer causaria acidente elíptico, fatal; 2) meus excrementos – acabaria submerso neles.

Cognitivamente derrotado, emocionalmente exausto, tive que abandonar a tesourinha, voltar pra casa. Ter a tal conversa com a Suzana.